Ciência

#ArtigoGEG_Reabilitar&BetãoEstrutural2020: Reabilitação do edifício Jornal de Notícias no Porto

24 Novembro, 2021

O GEG esteve presente no Congresso Nacional Reabilitar & Betão Estrutural, decorrido entre 3 e 5 de Novembro, no LNEC. Neste Congresso o GEG realizou duas apresentações sobre projetos de reabilitação. Apresentamos no seguinte artigo, um resumo do projeto de intervenção no icónico edifício da cidade do Porto – o Edifício do Jornal de Notícias.

 

O edifício

Este icónico edifício da cidade do Porto foi projetado pelo arquiteto Márcio Freitas em 1969 para a sede do Jornal de Notícias e junta-se às torres próximas do lado Norte da Rua de Gonçalo Cristóvão (1962) e do Hotel D. Henrique (1965). Constituído por uma torre de escritórios assente sobre um pódio destinado às rotativas do jornal, destaca-se na silhueta da cidade conjugando coerentemente o uso com a sua forma, exibindo alçados diversificados e protagonizados pelas molduras em granito salientes. 

Se, no passado, a sua construção obrigou à demolição da Escola Prática Comercial Raul Dória, no futuro, permitirá a sua renovação como unidade hoteleira de luxo e, no topo, um volume de vidro, com um restaurante com vista sobre a cidade. O edifício de tardoz será demolido e no seu lugar surgirá um novo volume com quartos nos pisos elevados e áreas técnicas nos pisos enterrados. A realização destas caves numa área consolidada e junto à torre existente revela-se especialmente complexa. 

A intervenção projetada procurou adaptar e prolongar a vida útil desta estrutura que tem características singulares e cuja conservação permitirá preservar este edifício tão marcante da cidade do Porto para usufruto de todos.

Introdução

No presente artigo procura-se descrever as estruturas do edifício existente, ainda em funcionamento, e que se pretende preservar e reabilitar. É ainda apresentada a proposta para a estrutura do novo volume que vai substituir o edifício onde se realizava a impressão dos jornais, permitindo assim a
adaptação do espaço de modo a funcionar no futuro como unidade hoteleira. A intervenção prevista pretende ainda devolver a este imóvel uma imagem de destaque na silhueta da cidade do Porto. Para apoiar a intervenção na estrutura existente, além do levantamento geométrico, teve-se por base
os elementos originais do projecto obtidos nos arquivos do município e fotografias que registam a evolução da construção. Foi realizada ainda uma campanha de prospeção geológico geotécnica.

 

Caracterização da estrutura existente

O edifício está dividido em unidades estruturalmente independentes separadas por juntas de dilatação. Os edifícios B e C foram construídos numa primeira fase, seguindo-se a torre principal designada por Edifício A. Neste capítulo apenas é descrita a torre principal (Edifício A), pois os demais edifícios, de caracter mais industrial, serão demolidos para dar lugar a uma construção nova capaz de responder aos requisitos funcionais de um hotel.

O edifício A é composto por uma estrutura de betão armado com 18 pisos elevados e 2 pisos enterrados, com diferentes áreas, sendo os pisos do embasamento maiores. O edifício apresenta um bom estado de conservação, não tendo sido identificada qualquer patologia grave em todas as visitas realizadas com o edifício ainda em funcionamento. No entanto, oportunamente, uma inspeção mais aprofundada terá lugar após remoção dos revestimentos. A estrutura do edifício é caracterizada por pórticos espaciais em betão armado que estão ligados pelas lajes e vigas às paredes do núcleo de betão armado. Os pavimentos são constituídos por lajes com nervuras e espessura constante de 0,27m, apoiadas em vigas rasas no interior e vigas aparentes na periferia.

Na figura em cima pode-se encontrar um excerto da memória descritiva do edifício existente (1968).

Na memória descritiva do projeto original está referido que a fim de aumentar a rigidez global horizontal do Edifício, foram consideradas vigas diagonais de betão de cada um dos lados do edifício desde os níveis da cave até o nível 11, conforme ilustrado.

O betão adotado na superestrutura do edifício apresenta uma resistência com 180 K/cm2 a uma idade t> 7 dias, correspondente ao betão B225 de acordo com o REBA [2] (1967) e cujas propriedades são semelhante às do betão da classe C20/25 de acordo com NP EN 1992-1-1.

As características do betão adotado nas fundações do edifício e nas paredes de contenção apresentam características de resistência mais baixas, 150 K/cm2 para uma idade t> 7 dias .  As características são semelhantes ao betão da classe C16 /20 de acordo com a norma NP EN 1992-1-1.  Em relação às armaduras estas são nervuradas e da classe A40T o que corresponde sensivelmente à classe A400NR (E449).

No que diz respeito às fundações estas são constituídas por fundações isoladas com forma troncopiramidal invertida, tipo poço. Os alinhamentos de pilares mais próximos do talude para a linha de metro da estação da Trindade são travados por vigas lintel.

 

Descrição geral da intervenção

A proposta arquitetónica para a requalificação deste imóvel prevê a manutenção do edifício A (torre) e demolição dos restantes corpos B e C para dar lugar a um volume completamente novo – edifício de tardoz.

Edifício A

Em termos funcionais o edifício A, além de albergar a receção, vai ser ocupado essencialmente com quartos e no topo serão adicionados dois pisos, suportados por uma estrutura metálica, nos quais funcionará um bar e restaurante panorâmico integrados num volume de vidro. Por forma a reduzir as forças transmitidas à estrutura existente, a solução foi desenvolvida com o objetivo de reduzir ao máximo o peso próprio da estrutura. Assim, adotou-se para ambos os pisos, uma solução de lajes mistas com recurso a chapa colaborante com espessura total de 0,13m apoiada em perfis metálicos (secções da família HEA ou HEB) ou nas estruturas existentes de betão.

Além destes pisos, no Edifício A, a principal intervenção resulta da necessidade de incorporar uma caixa de escadas de emergência adicional e a demolição de parte das lajes existentes. Em certas zonas as lajes tiveram que ser reforçadas com vigas metálicas, que por sua vez serão ligadas às vigas e pilares existentes. A nova escada de emergência será composta por pilares e vigas metálicas e serão contraventada pelas lajes da estrutura existentes.


Ao nível do piso 0 e caves serão introduzidos mezaninos técnicos que também são realizados com recurso a estrutura mista. A pala da entrada também será demolida e reconstruída em estrutura metálica com um novo desenho.


Em termos de carregamento o valor da sobrecarga associada a uma ocupação equivalente a quartos de hotel é inferior à sobrecarga a considerar no caso de escritórios, o que resulta numa redução teórica dos valores das sobrecargas atuantes na estrutura após a requalificação em curso. Atendendo a este facto e apesar de serem adicionados dois pisos ao nível da cobertura, o somatório das sobrecargas considerando todos os pisos do edifício, é semelhante ao valor assumido no projeto original. Apesar do descrito optou-se por aplicar soluções de reforço ao nível de algumas das fundações existentes garantindo-se assim o seu recalçamento, conforme será descrito adiante, que irá viabilizar a escavação das novas caves na sua imediata vizinhança.

Edifício de tardoz

O edifício A (torre) e de tardoz (nova construção) são constituídos por sistemas estruturais independentes separados por uma junta de dilatação ao nível dos pisos 0 e -1 com uma dimensão de 20mm.

O edifício de tardoz é constituído por uma estrutura de betão armado com 7 pisos elevados e 3 pisos e enterrados. Nos pisos elevados estão localizados os quartos, estando o piso da cobertura destinado a uma área técnica e a uma zona de eventos. O piso de nível com o exterior, acomoda um centro de congressos, restaurante e áreas de apoio ao funcionamento do Hotel como as cozinhas e cais de descarga. Nos pisos enterrados estão localizadas as áreas técnicas do Hotel.

A estrutura do novo edifício de tardoz é composta, em geral, por lajes fungiformes de betão armado com 0,20m de espessura, apoiadas em pilares e em dois núcleos de betão. A métrica de apoios obedece a uma regra de 4,50m na direção da maior dimensão e 4,45m e 6,70m na direção perpendicular. As paredes dos núcleos de betão têm espessura de 0,20m.

A estabilidade global do edifício é garantida pelos núcleos rígidos de betão e o funcionamento conjunto com os diafragmas rígidos constituídos pelas lajes dos diversos pisos. O edifício apresenta ainda 3 caves enterradas. 

O layout de arquitetura para o piso 0 é bastante diferente dos pisos superiores. A estrutura ao nível do piso 1 é, por isso, também distinta dos restantes pisos de modo a realizar a transferência de cargas dos pilares dos pisos superiores para uma malha de apoios completamente distinta nos pisos inferiores. Várias opções foram estudadas e para controlar eficazmente as deformações ocasionadas pela supressão dos pilares na periferia e a solução adotada consistiu na introdução de uma laje de transferência. Esta laje é formada por uma grelha de vigas altas, lançadas em duas direções ortogonais, e apoiada no canto sudoeste por um pilar em betão com uma forma tronco cónica.

As vigas em betão armado que constituem a grelha de suporte do piso de transferência apresentam secções diversas e alturas que variam entre 1,00m e 1,40m. O pilar do canto sudoeste, atendendo à sua localização e enquadramento arquitetónico, tem uma forma singular e tem sobretudo de garantir o bom desempenho estrutural, já que se trata de um elemento fulcral no sistema proposto. Este pilar recebe, ao nível do piso 0, uma carga vertical de aproximadamente 23 300 kN em Estado Limite Último.

Atendendo a todos os requisitos que este elemento deve obedecer, tanto estruturais como arquitetónicos e construtivos, a forma final resultou numa combinação de paredes laterais com 0,25m de espessura que materializam as formas curvas das quatro faces, complementada com quatro septos interiores com espessura de 0,25m, que conferem a rigidez e estabilidade ao conjunto e que por sua  vez se ligam a um núcleo com secção maciça 1,35×1,35m2 que se prolonga desde o piso 1 até ao nível da fundação.

Soluções de reforço

Recalçamento de fundações

A necessidade de introdução de uma nova área técnica enterrada junto à zona de transição entre a torre (edifício A) e o edifício de tardoz, implicou a necessidade de execução de reforços nas fundações dos pilares da torre de modo a evitar o descalçamento destes elementos durante o processo de escavação para atingir o nível da nova cave. A solução adotada para garantir a adequada transmissão das cargas das fundações para o estrato competente, recorreu à inclusão de microestacas com diâmetros de furação de 250mm e 150mm e comprimentos totais entre 17m e 19m.

Por forma a garantir a transferência das forças da estrutura existente às novas microestacas, houve ainda necessidade de recorrer à aplicação de pré-esforço e uma betonagem complementar, conforme ilustrado. Os varões de pré-esforço terão de transmitir à estrutura uma força útil de aproximadamente 1200kN para mobilizar o atrito necessário.

Aberturas em lajes

As lajes dos pisos que constituem os diversos níveis da torre, tiverem que ser praticamente todas reforçadas com perfis metálicos de modo a permitir a abertura de negativos para o atravessamento das infraestruturas das diversas especialidades que são necessárias para o funcionamento de um Hotel. Na figura está ilustrado o esquema do reforço concebido para o piso 2.

Conclusões

Neste artigo procurou-se apresentar as estruturas existentes que serão reabilitadas bem como as novas estruturas que irão conferir uma nova funcionalidade ao edifício. Descreveram-se as principais soluções adotadas, que recorreram a diferentes materiais e conceitos estruturais, permitindo obter o resultado final apresentado.
É de realçar ainda que a utilização da metodologia BIM revelou-se fundamental ao longo das diferentes fases de projeto. Por um lado, tendo por base um levantamento preliminar das estruturas existentes, foi possível identificar todas as demolições e impacto das mesmas. Esta foi também uma ferramenta fundamental na coordenação dos projetos das diferentes especialidades e arquitetura garantindo-se que as soluções são compatíveis e que antecipadamente foram resolvidos os conflitos mais significativos.

Agradecimentos

Os autores agradecem à equipa de arquitectura OODA a oportunidade de colaboração neste projecto desafiante.

Os autores

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