No GEG, a paixão por tudo o que envolve ser engenheiro é palpável. E como não há amor como o primeiro, quando lemos testemunhos como o que apresentamos a seguir, voltamos a acreditar em amores à primeira vista.
Esta é a história do primeiro projeto da Carmina Costa. No GEG, o projeto de uma vida está ao virar da esquina e pode ter formatos variados ou vir quando menos se espera. Leia mais!
Penso que todos nós temos um projeto que é “o nosso menino”. Ou porque foi o primeiro, ou porque nos deu muitas noites sem dormir, ou porque foi “O” desafio técnico, ou porque simplesmente houve algo nesse momento da nossa vida, e da vida do projeto, que nos fez ter uma ligação especial. Pondo as coisas nesses termos, o meu menino profissional é o projeto da Linha do Tua.
Em julho de 2007 cheguei ao GEG, para o que achava eu, iria ser uma entrevista de emprego. Levei a minha melhor camisa (e talvez única na altura, se não contabilizarmos a do traje académico) e lá estava eu na Rua da Alegria. Na reunião, na qual esteve presente o Eng.º António Campos e Matos, o Dr. Benedito e o Eng.º Sérgio Cunha (sim, Sérgio, nessa altura tratava-te por engenheiro ?).
Ao contrário do que eu esperava, não me perguntaram pelo percurso académico, experiência, expectativas… Falou-se muito de mapeamentos geológicos, mapeamentos de risco, taludes, vertentes e de uma visita de dresina, que estava a ser agendada, à Linha do Douro, entre a Régua e o Pocinho.
E assim foi, semanas depois, corria o mês de agosto de 2007, estava eu sentada numa dresina, a percorrer 125 quilómetros de linha férrea (para cada lado!!). Sei que este pormenor pode não vos fazer diferença, mas para mim e para a minha “almofada” fez, pois foi nessa altura que descobri que a dresina trepida bastante.
A famosa dresina (ou dresine como muitos lhe chamam) é aquele veículo amarelo na fotografia acima. Normalmente usado para inspeções e equipas de manutenção em linhas férreas.
Tenho dúvidas se este, o projeto “695.0 – Estudo e caracterização das acções a realizar na LInha do Douro (Caíde/pocinho) para garantir a segurança da exploração ferroviária,” foi o meu primeiro projeto, porque na verdade ao fim de poucas semanas saltei para o 666.0 – Linha do Tua – Inspecções e Mapeamentos de Riscos Geotécnicos – Fase 2, tendo os trabalhos decorrido em paralelo. Foi aqui que a saga começou (e logo com o número da besta).
Ao longo dos meus quase 14 anos no GEG trabalhei em 7 projetos distintos na Linha do Tua, com 4 donos de obra distintos. No início, com o foco no conhecimento, mapeamento e gestão do risco para uma circulação mais segura, na caracterização do existente para procurar causas de acidentes. Depois, na procura de uma solução de uma linha “a salvo” aquando da construção da barragem de Foz Tua ou de uma solução alternativa à mobilidade. Já com a linha fechada, seguiram-se estudos de investimento para recuperação da linha e projetos de proteção às margens da albufeira, que permitissem a reabertura de um troço da linha (Brunheda -Mirandela – parte não submersa) e, por último, o desenvolvimento de projetos de estabilização aos taludes sobranceiros.
Percorri a linha do Tua, na sua locomotiva verde, em que o revisor e o condutor eram em maior número do que os seus passageiros. Percorri, vezes sem conta a linha a pé em cima de travessas com gelo ou sob o sol escaldante. Percorri a linha a pé sobre o balastro, após a remoção do carril e travessas (ou porque este foi roubado, ou porque o desmantelamento para enchimento da barragem de Foz Tua já se programava) e percorri a linha no motoboio.
Soube de cor todas a estações e apeadeiros, incluindo os seus PK’s, ao longo dos seus 54 belos e ímpares quilómetros. Numerei e caracterizei passagens hidráulicas, taludes, vertentes, muros, pontes e túneis mais vezes dos que as que gosto de me recordar.
Lembro-me do cheiro de enxofre na estação (e termas) de S. Lourenço. Recordo-me do Sr. Abílio, ex-ferroviário, que vivia na estação da Ribeirinha, que nos oferecia figos secos e couves para o Natal, da Dona Rosa do café do Cachão, onde as sandes de presunto eram quase a única opção. Recordo-me da salada de tomate coração de boi no restaurante Calça Curta, na estação do Tua e dos moletes que a Susaninha do alojamento rural de Pombal de Ansiães nos vinha preparar às 06:30h da manhã, ainda enrolada na manta.
Partilhei viagens, caminhadas e muito trabalho de campo com muitos dos colegas do GEG, com o Pedro Pereira e com a Raquel Pais desde o primeiro momento, com o Sérgio, com o José Nuno, com o Nuno, com a Ana Correia, com o Sr. Correia, com a Joana, com a Gisela e com o Fragata.
São inúmeras as histórias e peripécias que me lembro esta linha, como quando o último comboio não passou e tivemos que ativar o modo explorador na estação do Castanheiro. É bom recordar que a rede de telemóvel não é um dado adquirido em grande parte da linha. Esta aventura terminou na farmácia de Carrazedo de Ansiães a comprar pomada para as virilhas, que quase viriam a sentenciar o abono de família de alguém.
Durante estes anos tive dois filhos e o projeto que iniciei após o regresso da licença da maternidade, de cada um deles, foi um projeto na Linha do Tua (1010.0 e 1069).
Carreguei cordas, mantas térmicas e lanternas para o caso de nos perdemos (que raio de ideia!), medidores, GPS’s, bomba de tirar leite (demasiada informação eu sei..), lanches e almoços porque, embora haja tanta comida boa nas redondezas, a maior parte da linha é tão inacessível que a única opção era a marmita (grande treino para os tempos pandémicos que vivemos). Tudo isto fez com que as minhas costas e a minha anca, depois de tanto passo dado sobre o balastro, não sejam as mesmas que há 14 anos atrás.
É por tudo isto, e por muito mais que ficou por contar, que a Linha do Tua é o meu menino! Qual é o vosso? (resta ainda a esperança de lá regressar e ouvir o sibilo novamente).
Um abraço a todos com quem tive o privilégio de partilhar um ou muitos destes momentos.
Testemunho de Carmina Costa: Licenciou-se no ano de 2007 pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto em Engenharia Civil, na opção de Geotecnia. Faz parte da família do GEG desde Agosto de 2007. Atualmente, desempenha as funções de Engenheira Projetista em Geologia e Geotecnia e de Gestora de Projeto. Saiba mais sobre a Carmina, aqui.